Obrigado Mestre Gonçalo Ribeiro Telles
- Opinião
- 04/12/2020 10:55
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles (1922-2020) deixou-nos no passado dia 11 de Novembro, depois de uma longa vida em defesa da coisa pública. Arquitecto Paisagista e Professor, defensor incansável do Ordenamento do Território, de um Ambiente sustentável e de uma Paisagem harmoniosa.
Na evocação da sua partida são tantas as vozes em defesa do homem e da sua obra que é difícil dizer mais, até porque quase tudo já foi dito e bem. Há, no entanto, um tema muito caro para o Mestre Gonçalo Ribeiro Telles (GRT), sobre o qual gostava de dar um contributo. Entendia ele que para a defesa da Segurança Alimentar de uma Nação se deviam preservar os solos com boa aptidão agrícola. Reconhecia-se, nessa época, que esses solos em Portugal apenas totalizavam cerca de 12% da superfície total. Para materializar essa “Reserva de Solos” criou, quando era Ministro de Estado e da Qualidade de Vida (1981-1983) a Reserva Agrícola Nacional (RAN), através do Decreto-Lei nº 451/82 de 16 de Novembro de 1982. Ironia do destino - GRT faleceu cinco dias antes de o seu diploma perfazer trinta e oito anos.
Eram objectivos da RAN proteger e preservar os solos com boa aptidão agrícola do assalto que se verificava com a desordenada expansão da construção imobiliária. A utilização destes solos para outros fins, para além de destruir e degradar a sua vocação natural, ocasionava problemas de segurança, salubridade e manutenção de difícil solução e custos elevados. A sua destruição estava a verificar-se de uma maneira alarmante, constituindo um grave problema nacional, sem que a legislação existente se tivesse revelado suficientemente eficaz na sua defesa.
Pretendia-se, nessa conformidade, reformular a legislação anterior e criar “proibições”. Nesse sentido o diploma procurava consagrar a importância do solo agrícola como “Valor de Património” que a todos interessa e é pertença da comunidade ao longo das gerações.
Hoje é consensual a defesa da obra de GRT e as suas ideias são consideradas como “muito à frente da sua época”. Este consenso esquece a forma como as medidas, impostas pela RAN foram consideradas radicais para a mentalidade portuguesa pouco habituada à organização e ao planeamento. Razão para o levantar de muitos anticorpos.
Uma situação pouco normal é que a RAN foi implementada a partir do Ministério da Qualidade de Vida e não pelo Ministério da Agricultura. Os interesses falaram mais alto, a RAN nunca foi regulamentada, logo não entrou plenamente em vigor.
Em 1989, sete anos depois, pela publicação do Decreto-Lei nº 196/89 de 14 de Junho, o diploma que instituiu a RAN, em 1982, foi alterado tornando a RAN efectiva. Este novo diploma, embora mantendo a estrutura que esteve na base da formulação da RAN, veio aperfeiçoar os seus fundamentos técnico-legais adaptando-os à nova realidade, agora diferente daquela que se vivia em 1982. O diploma que instituiu a RAN em 1982, foi um importante instrumento base para a prática do Ordenamento do Território em Portugal e para a defesa do Ambiente, cujas boa intenção e visão do futuro, têm que ser reconhecidas.
Este, entre outros, foi um legado que nos deixou o Mestre Gonçalo Ribeiro Telles.
José da Costa Pereira, Tenente-Coronel do Exército; Mestre em Gestão do Território pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa