Remessas de emigrantes dão contributo positivo às contas externas segundo Banco de Portugal
- Sociedade
- 13/03/2022 10:40
As remessas de emigrantes representam “uma importante fonte de rendimento para as famílias” portuguesas e “contribuem positivamente para as contas externas” do país, refere o Banco de Portugal.
“Em Portugal, o valor de remessas recebidas é superior ao valor de remessas pagas”, o que significa que “o saldo das remessas de Portugal é historicamente positivo”, prossegue a informação que o banco central português disponibiliza no seu ‘site’.
Em 2020, Portugal foi o país da União Europeia (UE) que apresentou o valor mais elevado de remessas recebidas (3,6 mil milhões de euros) e no ano passado esse montante foi superior, atingindo o seu valor mais alto dos últimos 20 anos: 3.677,7 milhões de euros.
Em termos dos países que mais contribuíram para este resultado histórico, a Suíça e a França destacam-se, como de costume, valendo mais de 2 mil milhões de euros em remessas enviadas para Portugal. Os emigrantes portugueses na Suíça enviaram 1.051 milhões de euros durante o ano passado, ao passo que os emigrantes radicados em França enviaram 1.023 milhões de euros para Portugal, com o Reino Unido e Angola a ocuparem o terceiro e quarto lugares na lista dos maiores contribuintes de remessas.
Na sua dissertação para mestrado em Economia e Gestão Internacional (Faculdade de Economia da Universidade do Porto), o economista Marco Rodrigues de Sousa analisou o ‘Impacto das remessas de emigrantes nos países de origem’, nomeadamente o caso português. Neste trabalho, orientado por Maria Conceição Pereira Ramos, o autor apurou que a principal motivação dos inquiridos para o envio de remessas é o investimento ou empreendimento empresarial, até ao consumo pessoal. A segunda motivação é o intuito de garantir à família um determinado conforto financeiro. Nenhum dos 85 inquiridos no âmbito deste estudo - emigrantes em vários países, nomeadamente França, Suíça e Reino Unido - assumiu que envia remessas por se sentir “obrigado” via vínculos emocionais.
Sobre a aplicação das remessas, a maioria dos inquiridos respondeu que as aplica em lazer (52,9%), seguindo-se o investimento (essencialmente em construção e imobiliário) com 41,2% e por fim a aplicação em poupança (via essencialmente produtos bancários) com 38,8%. Em saúde e educação contabilizaram-se 8,2% de respostas. O autor apurou ainda que actualmente uma “grande parte dos emigrantes ou não envia (31,8%) ou raramente envia (24,7%) remessas. “No futuro, o peso das remessas de emigrantes na economia portuguesa poderá ser muito inferior comparativamente ao que foi nas últimas décadas”, lê-se neste trabalho académico.
Remessas de emigrantes são contributo que revela ligação a Portugal
A secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, considera que as remessas dos emigrantes têm um contributo “inequívoco” para a riqueza nacional e revelam a sua “continuada ligação a Portugal”. Em declarações à agência Lusa, Berta Nunes sublinhou o valor das remessas em 2021 e que foi “o mais alto da era do euro” - 3,6 mil milhões de euros.
Tendo em conta o actual perfil da emigração portuguesa, a governante refere que o contributo da diáspora portuguesa no país de origem abrange outras modalidades, nomeadamente o investimento. A esse propósito, afirmou que o Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID) “tem tornado clara a dimensão desse investimento, procurando simultaneamente fomentá-lo e consolidá-lo”.
Segundo Berta Nunes, o Gabinete de Apoio ao Investimento da Diáspora (GAID), integrado na Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, acompanha cerca de 110 investidores com potencial de investimento superior a 80 milhões de euros. “O PNAID é, por definição, um programa que contraria a ideia de que o Governo apenas pensaria nos emigrantes ‘pelos votos e pelas remessas’, pois tem como objectivo apoiar, numa lógica de proximidade, o investimento sustentado dos emigrantes nas suas terras de origem, por forma a que, regressando ou não ao país, lhes sejam reconhecidos o respectivo valor e a integração nas suas comunidades de origem”, explicou.
Berta Nunes considerou que “o contributo das comunidades portuguesas tem diversas dimensões, além das remessas e do investimento, que passam igualmente pela cooperação em meios como a investigação e a cultura e que resultam das múltiplas redes que actualmente ligam a diáspora a Portugal”. “Estas redes devem ser acompanhadas e fomentadas, trabalho que procuramos fazer nas diversas áreas de actuação desta área governativa: do ensino do português no estrangeiro à valorização da produção e herança cultural das comunidades portuguesas, da promoção do ensino superior junto dos emigrantes e lusodescendentes ao trabalho de proximidade com o movimento associativo, quer com as associações ditas tradicionais, quer com as associações de graduados e pós-graduados”, advogou.
E lamentou que entre os cidadãos das comunidades portuguesas exista a ideia de que os governos só se lembram das comunidades por dois motivos: remessas e votos. Essa ideia, afiançou, “está nos antípodas do trabalho multidimensional e de proximidade que temos procurado, continuamente, assegurar e aperfeiçoar”. “Basta ver o enorme esforço da nossa rede diplomática e consular no apoio aos portugueses residentes na Ucrânia para perceber que, ao contrário, a nossa atenção é tanto maior quanto são mais difíceis as circunstâncias vividas por portugueses residentes no estrangeiro”, disse.
Velha emigração portuguesa envia mais remessas, mais novos nem pensam nisso
As maiores remessas das comunidades portuguesas são de países onde há mais tempo existem mais emigrantes e não dos novos fluxos, protagonizados por jovens para quem o projeto emigratório não passa por estas transações, segundo o Observatório da Emigração.
A interpretação é do sociólogo e coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, para quem “há diferenças entre os objectivos das remessas do passado e hoje”. Em declarações à Lusa, o sociólogo sublinhou a dimensão das remessas enviadas pelos emigrantes para Portugal - 3.677,76 milhões de euros em 2021 – que é semelhante à dos fundos europeus. Mas ressalvou: “A grande diferença é que as transferências comunitárias contribuem diretamente para o desenvolvimento e as remessas só indirectamente contribuem”. “Não quer dizer que as remessas não contribuem para o desenvolvimento do país, mas contribuem independentemente do objectivo que têm. Contribuem porque aumentam o poder de compra dos países para onde são enviadas as remessas, para melhorar as reservas cambiais do país e podem ser usadas para investimentos”, disse. Em rigor, prosseguiu, “as remessas são transferências que visam objetivos privados, particulares, não objetivos coletivos. Podem ser familiares, do próprio, mas são sempre privados”.
Para Rui Pena Pires, as remessas devem ser 50% maiores do que vemos nas estatísticas. E explicou: “As remessas baixam subitamente com a introdução do euro e vão recuperando. Mas não é uma recuperação, uma vez que aquela queda não aconteceu, porque a entrada no euro implica que alguns movimentos cambiais deixam de ser registados como movimentos cambiais”. Por essa razão, “parte de remessas que aconteçam na zona do euro tem um défice de registo”, sendo as oriundas da Suíça as que se mantêm com um registo mais elevado.
Em 2021, os emigrantes portugueses na Suíça voltaram a ser os que mais remessas enviaram, totalizando 1.051 milhões de euros durante o ano passado. Mas a França - o país com mais emigrantes portugueses - provavelmente enviou mais remessas, mas que não foram contabilizadas por falta de registos, indicou. Os emigrantes mais antigos são os que mais remessas enviam, porque “é a maneira de terem confiança de realização das suas poupanças”. “Temos histórias de emigrantes portugueses que continuam a construir as suas casas para um dia voltar ou para as férias e continuam a fazê-lo como faziam há 30 anos”, afirmou. Uma realidade em sintonia com a origem das remessas, “mais relacionada com o ‘stock’ do que com o fluxo”, pois nesse caso os valores maiores encontrar-se-iam nas novas saídas, protagonizadas por emigrantes mais novos e mais diferenciados, para países como o Reino Unido, do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).
Sobre os incentivos ao envio de remessas, Rui Pena Pires reconheceu que, dentro da zona euro, não há grandes incentivos a que haja transferências, uma vez que existe um sistema bancário europeu. “No limite, eu posso comprar uma casa em Portugal, estando a trabalhar no Luxemburgo e com um empréstimo num banco no Luxemburgo. Não preciso de vir a Portugal pedir um empréstimo”, indicou. Uma realidade “mais facilmente apreendida pelas novas gerações, porque não conheceram outra, do que as dos emigrantes mais antigos, com mais dificuldade em mudar hábitos que adquiriram quando iniciaram o seu processo emigratório”.
Portugal foi o país da União Europeia (UE) que apresentou o valor mais elevado de remessas recebidas, segundo o Banco de Portugal. Dados das Nações Unidas indicam que, em 2019, haveria no mundo um pouco menos de 2,6 milhões de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro, o que representa cerca de 25% da população residente no país naquele mesmo ano. Estes dados apontam para um crescimento da proporção de emigrantes portugueses a viver na Europa e assinalam também uma manutenção da emigração portuguesa no continente americano e um maior crescimento da fixada em África.
O número de portugueses que emigraram em 2020 foi o mais baixo dos últimos 20 anos, um valor para o qual contribuiu a Covid-19 e o ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da UE), segundo o relatório anual do Observatório da Emigração, apresentado em dezembro do ano passado. O documento indicou que, de 80 mil saídas em 2019, esse número baixou para 45 mil em 2020.
Amor à pátria conta para os emigrantes portugueses investirem, mas cada vez menos
O amor à pátria ainda conta para os emigrantes portugueses na hora de investirem, mas cada vez menos e apenas para os mais antigos, que enviam anualmente em remessas o mesmo valor que Portugal recebe dos fundos europeus.
“Mandar dinheiro para Portugal por amor ao país é uma quimera. É algo que se diz porque não há mais nada a dizer. As pessoas enviam dinheiro porque esperam ter algum rendimento desse dinheiro”, afirmou Alfredo Stoffel, português a viver na Alemanha há 47 anos.
Em 2021, os emigrantes portugueses enviaram 3.677,76 milhões de euros em remessas, o valor mais elevado nas últimas duas décadas e mais ou menos o mesmo que Portugal recebe dos fundos europeus, segundo o coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires. Para Alfredo Stoffel, que envia dinheiro para Portugal para “despesas correntes”, tanto ele como os compatriotas na Alemanha fazem estas transferências com dois objectivos: investimentos e pagamento de despesas. “Alguns talvez ainda juntem algum dinheiro em Portugal, mas só se for em certificados, porque não há qualquer vantagem nos bancos portugueses em relação aos de países como a Alemanha”, onde em 2020 residiam 114.825 nascidos em Portugal. E lamentou que não existam contrapartidas fiscais e programas de apoio que sejam atrativos ao investimento dos emigrantes, pois as remessas são “uma fonte de receita muito significativa, para a qual o Estado português não precisa de investir nada”. “O emigrante envia as suas remessas para Portugal e não exige nada em troca. É visto como uma fonte de receita”, disse, reforçando: “Portugal olha para os emigrantes através das suas remessas”. Os escândalos que afectaram a banca portuguesa, lesando vários emigrantes, esfriaram ainda mais esta relação. “Acredito que, quem queira investir em Portugal, o faça hoje com muito mais atenção, após os bancos prometerem mundos e fundos a clientes que se deixaram encantar por valores irreais no mundo financeiro. Deu no que deu”, referiu Stoffel.
No Luxemburgo há 20 anos, Luísa opta pelos bancos desse país na hora de juntar as poupanças. Tem investimentos imobiliários em Portugal e, por isso, mantém uma conta para as despesas correntes, sobre a qual lamenta a quantidade de taxas que cobram. Não encontra qualquer motivo para enviar dinheiro para Portugal enquanto contributo para o desenvolvimento da economia, optando por fazê-lo, ainda que não de uma forma deliberada, quando visita o país, onde consome sem contenção, principalmente no comércio local. Neste país, onde em 2019 viviam 83.666 portugueses, não conhece quem invista em Portugal em nome do amor ao país e acredita mesmo que esses são valores de uma geração de emigrantes “mais antiga”.
José Inácio Sebastião, desde 1988 a viver na Suíça, país com 210.731 portugueses e o que mais remessas envia para Portugal, acredita que muitos enviam dinheiro para Portugal porque amam o seu país e querem ajudá-lo a crescer. Este conselheiro das comunidades portuguesas disse à Lusa que tem residência em Portugal, bem como uma conta bancária para “satisfazer as despesas”. “Necessito de ir a Portugal, ver o meu país. Os emigrantes tanto querem a Portugal e os governos tanto desprezam os emigrantes”, lamentou, afirmando que os portugueses que vão para a Suíça “continuam muito ligados ao seu país de origem” e que, talvez por isso, tenham “o hábito de mandar remessas”. Ao contrário dos portugueses em outros destinos, os emigrantes na Suíça acalentam o sonho de ganhar dinheiro, construir uma casa em Portugal e regressar ao seu país. “Quando mandam dinheiro, além das questões práticas, os portugueses sabem que estão a mandar dinheiro para Portugal, para o seu país”, apesar de não terem benefícios.
José Inácio Sebastião considerou que as comunidades portuguesas “continuam a confiar na banca portuguesa, mas agora com mais cuidado nas escolhas”. E apontou o dedo aos sucessivos governos portugueses que “não reconhecem a importância e o esforço dos emigrantes”: “Nós, que tanto contribuímos para o desenvolvimento da economia portuguesa, temos tão poucos representantes [dois deputados eleitos pela Europa e outros dois por Fora da Europa]”.
Fora da Europa, o envio das remessas para Portugal tem ainda outras razões: a moeda e a segurança. David Augusto da Fonte, emigrante no Brasil há mais de 60 anos, orgulha-se de conhecer, como poucos, a comunidade portuguesa, estimada em 185.489 cidadãos, em 2019. Tal como muitos compatriotas, desloca-se a Portugal sempre que pode. “Muitos mandam as remessas para investimentos, na maior parte na compra de imóveis, abrindo caminho para um dia poderem regressar”, disse à Lusa. Mas o objectivo passa também por “investir numa moeda segura (euro), valorizada e que pode ser trocada por outra moeda para, com isso, se ganhar muito dinheiro”. David Augusto da Fonte não tem dúvidas: “Quem envia remessas não pensa em ajudar o país, pensa mais no seu bolso”. E pensa duas vezes, ou mais, quando se trata de bancos portugueses, depois dos vários escândalos que deixaram “um trauma muito grande”. “Muita gente perdeu dinheiro. As pessoas têm hoje receio de investir. Os que tinham somas muito altas, ou ainda têm, investem em imóveis, compram casas, arrendam casas”, contou.
Na África do Sul, Maria Lígia Fernandes faz parte dos cerca de 47.622 portugueses que ali residem, a esmagadora maioria oriunda da Madeira. Contou como, durante décadas, os portugueses foram juntando dinheiro com o propósito de ter “um cantinho na sua terra”, para onde regressar um dia, um objetivo que já não identifica nas gerações mais recentes de emigrantes, nem de lusodescendentes. “África sempre foi alvo de incertezas e os portugueses que aqui vivem e trabalham optaram por deixar o seu dinheiro em Portugal, onde a banca é mais segura, ou pelo menos assim pensavam”, frisou. A emigrante notou que “na hora de investir é na pátria, principalmente na habitação”. “Mantém-se o espírito de ajudar o país, mas os emigrantes enviam as suas remessas porque acreditam que ficam mais seguras em Portugal do que em África”, afirmou, lamentando os escândalos na banca. “O que se passou foi muito grave e abalou a confiança dos portugueses. Os bancários vinham cá, estabeleciam amizades, traziam muitas propostas e, no fim de contas, deu o que deu”, disse, lamentando que os portugueses queiram investir em Portugal, mas não saibam como fazê-lo. E reclamou mais incentivos, pois nos mais de 60 anos passados na África do Sul assistiu ao fim de muitos deles.
Texto: ALVORADA com agência Lusa