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Conselho Nacional do Ambiente diz que nova lei dos solos só tem como positivo suscitar debate

cnads

O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) explicou hoje porque votou contra as alterações à lei dos solos, nas quais apenas vê um ponto positivo: provocar uma discussão sobre ordenamento do território.

O CNADS já tinha anunciado esta semana o voto contra o decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), conhecido como lei dos solos, para permitir a construção em solos rústicos, e hoje explicou os motivos, arrasando a lei em todos os aspetos.

A alteração à lei, que vai permitir a construção em terrenos rústicos e entra em vigor no final do mês, destina-se, segundo o Governo, a permitir maior disponibilidade de terrenos para construção.

O coordenador do grupo de trabalho do CNADS que elaborou o parecer, João Ferrão, disse que o diploma não garante que os objectivos (habitação mais barata) sejam alcançados, e pode ter consequências danosas.

O país não pode estar a adiar sistematicamente reformas recorrendo a regimes especiais, a pensos rápidos”, disse.

O responsável defendeu uma verdadeira reforma estrutural na área do ordenamento do território e disse que recorrer a regimes especiais demonstra incapacidade de fazer as reformas necessárias.

Nas considerações sobre o diploma, que é apreciado no Parlamento na sexta-feira, João Ferrão disse que o documento também levanta problemas de qualidade legislativa, o que acontece quando há falta de evidências empíricas.

Ninguém sabe verdadeiramente se há ou não escassez de solos para habitação. E se há, onde?”, questionou.

O coordenador admitiu que há de facto escassez de solo urbano, mas em poucos municípios (de Lisboa, Porto e Algarve), e que mais de 50% do espaço urbano não está edificado, condenando que o Governo, para resolver um problema de poucos municípios, faça uma lei para todo o país.

Sobre se as novas construções darão resposta à falta de habitação para pessoas mais carenciadas e classe média, João Ferrão respondeu claramente que não, explicando que em 92% dos municípios os valores das casas estarão alinhados pelos valores mais elevados, e nem sequer é garantida a existência de habitação pública (porque não há quotas).

Depois, acrescentou, são ineficientes os procedimentos para demonstrar a necessidade de reclassificação de solos, e não está acautelada a boa localização das novas urbanizações.

O responsável questionou e estranhou também que as autarquias possam por si alterar a Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN), instrumentos de âmbito nacional.

Com o diploma, as assembleias municipais não terão condições para decidir de forma informada, e depois o decreto-lei também não está de acordo com políticas nacionais e compromissos comunitários e internacionais, porque pode contribuir para impactos que são o oposto dos compromissos junto da UE e da ONU.

Outro reparo da CNADS tem a ver com a inexistência de um procedimento de monitorização da lei: “Não existe”, assinalou João Ferrão.

Os regimes especiais têm de ser escrutináveis”, disse, salientando que pode haver uma multiplicação de iniciativas nos municípios do país sem avaliação de impactos e sem respostas sobre possíveis ganhos e riscos.

Em resumo, disse, o diploma não garante o cumprimento do objectivo para o qual foi criado.

Joanaz de Melo, professor universitário e que fez parte do grupo que elaborou o parecer, disse também que o diploma não resolve o problema da habitação e criará outros, que os conflitos serão inevitáveis, e alertou para as consequências de cortar a REN e a RAN.

É como tratar uma hemorragia com um penso rápido, e nem sequer estamos a colocar o penso no sítio da hemorragia”, concluiu.

Texto: ALVORADA com agência Lusa