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Conto de Natal

Vagueava, sem destino Certo, por essas ruas de Lisboa. Agora que se aproxima o Natal, anda tudo mais apressado e as ruas da Baixa são um verdadeiro formigueiro humano. A noite estava fria. O céu encoberto ameaçava chuva. As ruas apresentavam já as iluminações da quadra festiva. Claro que estas não diferem muito das dos anos anteriores, mas é sempre com alegria que os lisboetas as recebem. E assim cada ano se ouvem as mesmas apreciações, se põem os mesmos defeitos, etc.

Eu vagueava, sem destino certo, por essas ruas de Lisboa. As montras, nesta altura do ano, encontram-se particularmente belas. Há montes de brinquedos, de guloseimas, de presentes para todas as idades.

À medida que avançava, parava junto desta ou daquela e ia juntando isto e mais aquilo ao rol das coisas que gostaria de ter ou para oferecer. Ainda se pode sonhar, não?!

Quedei-me junto duma em que o algodão imitava flocos alvos de neve. Aqui e ali, bonecas lindas, comboios eléctricos, pistas de automóveis... Estava a ambientar-me para nova anotação no meu bloco quando reparei numa pequenita ao meu lado. Não tinha mais de sete anos. O nariz e a boca, aberta de espanto, colados ao vidro e os olhos muito brilhantes, mirando as bonecas da montra.

Trazia ao colo uma de trapos que certamente lhe arranjara a Mãe por não possuir maiores recursos.

- Mãe (disse a pequenita puxando pelo vestido duma senhora magra, de olhos encovados e fato remendado) compras-me aquela boneca?

A mulher olhou a boneca apontada pela filha e de repente os olhos embaciaram-se.

- Mãe, (voltou a pequenita com medo de não ter sido bem explícita) aquela de cabelo branco, compras?

Pérolas cristalinas rolaram na face rude da mulher.

- Compro filha, compro mas agora não.

A impossibilidade da compra obrigou-a a adiar o acto. Ela sabia que era impossível satisfazer a petiz, mas dera-lhe uma esperança.

É certo que ainda se pode sonhar, mas uma estranha força fez com que eu rasgasse o bloco, onde cuidadosamente tinha anotado tudo quanto gostaria de ter.

Não me recordo já se chorei. E não julguem que é por vergonha esta minha falta de memória. Acontece que ao sentir a cara molhada, não soube se era eu que chorava, se era a chuva que entretanto começou a cair, que a molhava.

João Henrique Farinha