Carta Aberta aos (bis) Avós, Manuel ‘Seabra’ Filipe Anunciação e ‘São’ Maria da Anunciação Fonseca Ribeiro: a propósito de um trator - Parte II (conclusão)
- Opinião
- 30/04/2020 11:16
Apesar dos avisos de que na próxima temporada já não será assim, a rica adega lá se vai engalanando de cores douradas, ano após ano. Persistente e solitário na composição de terras que mais parecem jardins, eis a grande lição: a força de vontade e o gostar de pode muito mais que a força dos músculos. Para a força de vontade contribuem os pedidos da avó São, curiosa por sementes várias, como são as das abóboras decorativas (cabaças) que no outono decoram as cozinhas e que em reminiscência urbana ainda vemos à venda em lojas castiças de Lisboa.
Recordo-me da minha avó Ratinha dizer que não se pode fazer a vontade ao corpo, libertados da preguiça ou do cansaço, a cândida lição para se superar o corpo. Que geração a dos nossos avós do Oeste! A nossa avó Ratinha, e o avô rato, que trabalharam mais campos, tiveram uma burra que aguardava à entrada da Arrocha o resultado da jornada de trabalho e o carregava de volta a casa. Juntamente com a minha prima Vera (Rato) chegámos a conduzir sozinhas esta burra e a sua carroça num desses regressos a casa, é o nosso grande feito juvenil! E depois, teve uma carrinha Dyna conduzida por filhos e noras, que apitava quando se fazia marcha atrás. Pergunto-me como a minha avó Ratinha tinha aquela capacidade de cuidar de tantos, de manhã ao sol pôr (4). Mas o teu trator há vários anos que não é usado, experimentámos uma das últimas viagens, o trator trabalhava bem, mas o comando perigava e o trator soluçava, é tão duro aquele soluço do trator, como não tem amortecedor, vai o corpo contra a madeira. Seria a mão cerrada, avô, qual extensão da enxada que também se afeiçoou à tua mão e cujo cabo também denota sua forma? Seria daquelas dores repentinas nos joelhos ou nos pés? Ou seria mesmo um já chega?
Já chega, sim, somos muitos, avô. Instrui- nos com a paciência que acumulaste, sim? Fazemos como disseste à médica do Centro de Saúde da Lourinhã, abrandas, sim, mas ensinas-nos! Está na altura de seres tu a comer o miolo do pão, como fizeste com o avô da tua mulher com quem desbravaste o mato que havia na Cardinha. Ensina-nos a pegar na enxada e a deixar a terra fofinha ao pé descalço!
Ainda é cedo para termos um trator, este ano só contamos render um carrinho de mão. A vossa decisão é boa, o trator seguirá o seu caminho. Felizmente, não há dia no casal Cigano (5) que não se veja um trator. Se a Aidinha soubesse como gostamos de a ver no seu… Vai sempre alegre! Como vão alegres a Lara Duarte Leandro com o avô Luís Duarte e o seu primo Tiago Duarte, na foto! Penso muitas vezes no que será daqueles terrenos férteis de Ribamar, avô, que ajudaste a desbravar.
Vejo-te no futuro! Vejo-te no futuro quando nos contas que plantaste ameixoeiras na extrema da fazenda junto à estrada que vai para Valmitão, para que os jovens que vão a pé a caminho da praia possam saciar a larica… Tu próprio o explicaste, fizeste-o em homenagem aos teus tempos de miúdo, quando a caminho da praia com os restantes jovens, depois de uma jornada de trabalho, no aperto da fraqueza, se socorriam da fruta de uma árvore que estivesse por perto no caminho do rio do povo, arriscando-se às ameaças de um proprietário mais feroz.
Felizmente no verão continuamos a ver grupos de jovens a pé e de bicicleta a caminho das praias de Ribamar! Felizmente ainda há pomares, vinhas, cuja aliança entre gerações voltou a pentear a paisagem e que pela primeira vez leva nomes da terra, como “Valmitão” e “Carlotas”!
Felizmente ainda há tratores e carros de mão, da Cardinha à Arrocha… Que assim continue, com a responsabilidade das gerações mais novas, que saibamos respeitar aqueles terrenos férteis e a Natureza, procurando prosperidade nos desafios atuais da sustentabilidade. Feliz de quem vence um trator e de quem sabe reconhecer que chegou a hora!
Tânia Alexandre, com Helena, Constança, Laura e Henrique Proença