Óbito/Eduardo Gageiro: Município de Torres Vedras vai perpectuar legado do fotógrafo que vendeu o seu espólio à edilidade
- Categoria: Oeste
- 04/06/2025 17:40
O Município de Torres Vedras endereçou condolências à família do fotógrafo Eduardo Gageiro, que morreu hoje aos 90 anos, sublinhando que deixa um legado que pretende valorizar. “Eduardo Gageiro faleceu, mas o seu legado permanecerá, com Torres Vedras a dar um importante contributo para esse desiderato”, divulgou a autarquia numa nota de pesar, que em 2019 agraciou o jornalista com a entrega da Medalha da Cidade de Torres Vedras.
A Câmara Municipal tenciona “criar na cidade um equipamento dedicado à temática da fotografia”. No início deste ano, o município adquiriu por 250 mil euros o acervo do fotógrafo Gageiro, depois de ter gastado 103 mil euros na sua guarda e conservação, os quais foram abatidos ao valor da aquisição. Desse acervo organizou a exposição 'Pela Lente da Liberdade', inaugurada no passado dia 25 de Abril na Galeria Municipal de Torres Vedras, onde pode ser vista até 13 de Setembro.
Presente na inauguração da mostra, Eduardo Gageiro aproveitou para partilhar algumas das histórias de cada uma das fotografias expostas, entre as quais episódios em que foi preso, pelas imagens 'inconvenientes' ao regime de ditadura. O fotojornalista Eduardo Gageiro, testemunha e narrador visual durante quase sete décadas, deixa um legado com milhares de imagens de momentos históricos, de emoções e da realidade social e cultural do país.
Eduardo Gageiro morreu esta madrugada, em Lisboa, aos 90 anos. O fotojornalista publicou a sua primeira fotografia aos 12 anos no Diário de Notícias, logo em primeira página, sinal precoce do talento singular do jovem natural de Sacavém, Lisboa, onde nasceu a 16 de Fevereiro de 1935. A fotografia de Gageiro nasceu na rua, entre operários fabris e artistas plásticos, ambientes que marcaram o seu olhar profundamente humanista, como sempre foi reconhecido. Em 1957 iniciou-se profissionalmente no Diário Ilustrado e, pouco depois, colaborava com títulos de referência como O Século Ilustrado, Eva, Almanaque e também a Match Magazine. A cidade, o trabalho, o quotidiano e os grandes momentos históricos cruzaram-se na sua lente de repórter de imagem com sensibilidade e rigor documental. Em 1975, venceu a World Press Photo com uma fotografia do general António de Spínola, em cujo semblante emergia o sinal dos velhos tempos, num país recém-saído da ditadura. Para a história ficou também a imagem de um operário da Lisnave em greve, ferido pela Guarda Nacional Republicana, que se tornou símbolo da luta dos trabalhadores portugueses.
O trabalho pelo qual Eduardo Gageiro ficou mais conhecido, no entanto, surgiu um ano antes, nos acontecimentos da Revolução do 25 de Abril, cujas imagens icónicas marcaram as memórias de portugueses de várias gerações e constituem um precioso documento histórico do país. Eduardo Gageiro foi um dos primeiros fotojornalistas a chegar aos cenários de Abril, fixando as imagens do encontro dos militares no Terreiro do Paço, o assalto à sede da PIDE, a polícia política da ditadura, e o momento em que o capitão Salgueiro Maia percebeu que a revolução triunfara.
O fotógrafo captou o instante decisivo do 25 de Abril, quando o capitão Salgueiro Maia regressava da rua do Arsenal, onde dois militares subalternos tinham acabado de desobedecer ao brigadeiro leal ao regime, recusando-se a disparar sobre as tropas revoltosas. Salgueiro Maia, que mais tarde disse ter sido esse "o momento mais belo de insubordinação" a que assistira no dia de Abril, surge na imagem a morder o lábio para não chorar, ao perceber que a revolução tinha triunfado, como relatou Gageiro em entrevista à agência Lusa em 2014. Gageiro fez a foto, mas só anos mais tarde a percebeu, quando Salgueiro Maia lhe confessou o que representava aquele trejeito da boca: “um momento de grande felicidade, em que conteve a custo a emoção”. “Vinha a morder o lábio para não chorar”, recordou Gageiro à Lusa, em 2014. “Só me explicou quando me visitou em casa, em Sacavém, em 1986, e me ofereceu o relatório da Operação Fim de Regime”, um documento histórico no qual Salgueiro Maia escreveu, em dedicatória, na capa, “Ao primeiro jornalista que, na madrugada do 25 de Abril, aderiu aos revoltosos”.
Como testemunha da Revolução dos Cravos, Gageiro esteve nas ruas nos dias da liberdade, captando outras imagens históricas, como a rendição de Marcelo Caetano, o ambiente de alegria popular que se viveu na altura e a retirada da fotografia de Salazar das paredes da sede da PIDE.