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O remédio que cura

«De nada nos serviria ter nascido, se não tivéssemos sido resgatados.» Esta é, porventura, uma das afirmações mais impressionantes do Precónio Pascal, que se canta na noite de Páscoa com a Igreja iluminada pelo círio pascal e pelas velas que foram acesas. À Luz do Ressuscitado a nossa existência ganha o sentido da eternidade presente na intenção original do Criador. Desde o primeiro momento em quem fomos gerados no seio materno, o refrão do primeiro hino da criação (Gn 1, 1-2, 4a) continua a ecoar: «Deus viu que era bom.»

A cruz de Jesus é o preço do resgate, ou seja, é a oferta mais valiosa que Deus Pai podia fazer para nos libertar da condenação do mal. Muitas vezes ouvimos dizer que “há remédio para tudo menos para a morte!”, como que se desta condenação ninguém se pudesse salvar. Da mesma forma, é fácil de pensar que diante de muitas formas de mal não há nada a fazer, e que para acabar com o sofrimento deve-se dar morte a quem ou ao que o provoca. A morte não é apenas um mal sem remédio, mas é também o remédio para muitos males. Esta é uma das mentiras mais terríveis que engana a muitos e faz perder o sentido, a alegria e a beleza da vida.

A Páscoa de Jesus vence esta mentira com a Verdade do Amor. No século II um bispo chamado Melitão de Sardes, numa das mais belas homilias sobre a Páscoa, afirma com impressionante parresia: «O Senhor, sendo Deus, fez-Se homem e, tendo sofrido em vez do enfermo, tendo sido encarcerado em vez do prisioneiro, tendo sido condenado em vez do criminoso e sepultado em vez do que jazia no sepulcro, ressuscitou dos mortos e exclamou com voz poderosa: Quem ousará condenar-Me? Aproxime-se de Mim. Eu libertei o condenado, dei a vida ao morto, ressuscitei o que estava sepultado. Quem ousará atacar-Me? Eu sou Cristo, Aquele que destruiu a morte, que venceu o inimigo, que calcou aos pés o inferno, que pôs em cadeias o violento, e que arrebatou o homem para as alturas dos Céus: Eu sou Cristo.»

O Filho de Deus morto na cruz cumpre um desígnio misterioso do Pai descoberto por quem O contempla com os olhos da fé. Ver para além da dor e do horror do mal é o segredo de quem se deixa amar sem merecer e deseja viver pela graça e poder do mesmo Amor. «Hão-de olhar para Aquele que trespassaram» (Jo 19,37). No alto cruz, do lado aberto de Jesus, nasce uma torrente de Vida que na Igreja se oferece nos sacramentos, e modo máximo na Eucaristia.

Um dos mais belos textos da Liturgia das Horas é uma antiga homilia de Sábado Santo e nela somos exortados à fé: «Eu te ordeno: Desperta, tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos. Levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, minha imagem e semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em Mim e Eu em ti, somos um só.» Importa fazer silêncio para saber escutar a Palavra de quem me ama e jamais desiste de me chamar à comunhão com Ele.

A Ressurreição de Jesus é a garantia de que o Amor de Deus tudo pode, e de que quem Lhe pertence, vive nesta esperança de em si Ele realizar as obras de vida eterna. O amor aos inimigos, o perdão a quem nos ofende, o rezar por quem nos faz mal, o aceitar os sofrimentos com mansidão, a alegria e a paz nas provações, acontece por dom e graça em quem participa da vitória de Jesus. São Paulo o afirma com admirável beleza: «Já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra. Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.» (Cl 3, 1-3)

O Amor de Deus manifestado na Ressurreição de Jesus é o único remédio que nos cura, o qual todos necessitamos, e que nos é dado gratuitamente! Esta é a maravilha da Páscoa. Esta é a surpresa que muda a vida. Esta é a razão pela qual os cristãos vivem na esperança do céu. A Alegria do Aleluia cantado na Vigília Pascal perdura durante 50 dias, imagem da eternidade, porque com os anjos e santos no céu na terra cantamos e louvamos o Senhor que nos salva. 

Pe. Ricardo Franco
Edição 1366 - 5 de Abril de 2024