Parar
Durante esta semana tenho a oportunidade de estar em retiro com outros sacerdotes da Diocese de Lisboa. Estes poucos dias são uma graça e um convite a parar, para estar com mais tempo e cuidado com o Senhor a quem entrego a minha vida, no serviço da sua Igreja. A maior dificuldade é parar. A verdade é que deixar a azáfama de todos os dias não é fácil, e não se faz de modo automático, mas é fundamental no encontrar a tranquilidade de coração para escutar quem me ama.
Ajuda-me o fazer oração com tudo aquilo que me vai passando pelo pensamento entregando ao Senhor para que Ele manifeste a sua misericórdia, e pedir também a intercessão da Mãe, a Senhora de Fátima, onde me encontro. A verdade é que não sou padre para mim mesmo, e o Senhor ao me fazer participante do seu sacerdócio para me santificar, chama-me a uma permanente renúncia de mim mesmo por Amor e para aprender a amar. Não é fácil, mas cada dia que passa, e depois de muitos momentos de sofrimento, posso afirmar convictamente que é a única forma de ser feliz. A verdadeira felicidade está em fazer da vida um dom de amor.
Hoje vivemos muito à pressa com inúmeras e constantes solicitações pelo que corremos o risco de estar em muitos lados, mas nunca nos encontrarmos verdadeiramente em nenhum. Quando isto acontece corremos o perigo de nos depararmos com um grande vazio dentro de nós que muitas vezes procuramos preencher, sem nunca o conseguir, com os mais diferentes tipos de alienações. Todos precisamos de parar e de encontrar tempo para nos conhecermos, sobretudo, naquilo que são as interrogações que ficam dentro de nós sem resposta e que vão criando um peso do qual parece impossível nos libertarmos.
Olhar para dentro de nós não é tarefa fácil, porque nos habituamos a esconder aquilo que não gostamos de ver em nós, ou pelo menos a não pensar para não cair na tristeza e na angústia. Arrumar a casa, que é o nosso coração, é um imperativo para a forma como lidamos com as nossas emoções e sentimentos, e para o modo como construímos relações saudáveis e verdadeiras. Quando não estamos bem connosco mesmos dificilmente podemos estar bem com os outros e preparados para enfrentarmos os desafios constantes da nossa existência.
A Quaresma que estamos a viver é um tempo de purificação. Um bom propósito de renúncia quaresmal é o de não desperdiçar o tempo em actividades fúteis e inúteis, e procurar valorizar o tempo de oração pessoal, de leitura, e estar mais disponível para aqueles que partilham a nossa vida. A renúncia das pequenas coisas é um meio que nos desperta para poder viver a vida sem a perder no que não interessa. Acredito que o que faz bem ao nosso coração é exercitar-se no amor porque essa é a sua principal função.
O desafio pode passar por passar cada vez menos tempo a olhar para écrans (sem darmos por isso são muitas horas por dia!), não ir além do que é necessário, e dedicar mais tempo às pessoas, a readquirir o gosto e a alegria de estar com os outros, sobretudo, com os que somos chamados a amar e a cuidar. Importará também encontrar as pessoas com quem podemos falar dos nossos sentimentos mais íntimos com verdade e sem preconceitos. Já o grande Aristóteles tinha afirmado que a amizade é o mais necessário na vida.
Aos que tem o dom da fé, e a todos os que aceitem arriscar, Jesus é o amigo que está sempre disposto a escutar-nos e quem terá sempre uma Palavra de vida para nos dar. N’Ele está garantido um encontro de amor, com tempo e cuidado, e a certeza de que não desiste de nós em nenhuma situação. Por isso é bom parar para estar. À maneira de Santa Teresa de Jesus podemos dizer: Parar para estar a tratar de Amor com quem eu sei que me ama. Acredito que vale a pena fazermos o esforço porque a nossa vida é preciosa de mais para ser mal vivida e desperdiçada no que não interessa. Nesse sentido, é preciso saber parar para sabermos por onde andar, sem nos perdermos, e podermos encontrar quem nos faz bem.
Pe. Ricardo Franco
Edição 1342 - 3 de Março de 2023