A defesa das vítimas
A Igreja em Portugal está a viver uma Quaresma de particular purificação.
A divulgação do Relatório de Abusos realizado pela Comissão Independente, criada Conferência Episcopal Portuguesa, e a mais recente entrega dos nomes de alegados violadores entre membros do clero e outros agentes pastorais aos Bispos diocesanos, colocaram-nos diante de uma realidade atroz que envergonha todos quantos se afirmam cristãos.
O que está em causa são crimes execráveis cometidos contra vítimas de tenra idade, que exigem da Igreja uma resposta pronta e objectiva, de modo a se poder tentar, por todos os meios possíveis, contribuir para a reparação de danos terríveis infligidos a inocentes, que dificilmente encontram a cura, mas que podem ser ajudados a alcançar uma relativa normalidade.
A urgência da situação faz com que os diferentes tempos de reacção das 21 Dioceses que existem em Portugal, não seja compreendido por muitos, que esperam a condenação e suspensão imediata dos alegados abusadores. Não conheço a forma como a Comissão Independente entregou a lista dos nomes aos Bispos diocesanos, mas não me parece razoável e sério pensar e até afirmar que os mesmos que pediram, por auto-iniciativa, que se fizesse o estudo (a única estrutura social que o fez até agora!) quisessem agora encobrir a dureza da realidade.
A necessidade que algumas Comissões Diocesanas sentiram em pedir mais elementos sobre os alegados abusadores à Comissão Independente resulta, segundo me parece, de não ser prudente acusar e expor qualquer pessoa sem que se tenha indícios evidentes que terá cometido esse crime horrendo. O abuso de menores é um crime civil e quem o praticou deve enfrentar as consequências dos seus actos hediondos, mas a justiça tem como princípio base a presunção de inocência até prova em contrário, e a exposição pública de um caso destes resulta imediatamente numa condenação sem apresentação de provas.
A defesa das vítimas não se faz com o derramamento de sangue na praça pública, mas em garantir que estas são ouvidas e não estão sozinhas no abismo de dor a que foram condenadas. A Igreja tem o dever gravíssimo de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que esta realidade trágica seja extirpada do seu seio, protegendo os mais débeis e criando todas as estruturas necessárias para que algo tão desumano jamais possa voltar a acontecer. E isso é algo que já está em andamento em várias Dioceses de Portugal.
A dor das vítimas só será verdadeiramente respeitada e levada a sério se esta tragédia não servir apenas para denegrir e pôr em causa a missão da Igreja, mas permita que todos nos empenhemos em que nunca mais o mal possa prevalecer. Quero acreditar que para muitas das vítimas, para lá da condenação dos abusadores (que não tem discussão), o importante é de poderem reconhecer que a Igreja não as abandona no seu sofrimento. A Paixão de Jesus revela-nos que Ele tem esse poder “subindo ao madeiro, Ele levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fostes curados”. (1 Pe 2, 24)
Na meditação final da Via Sacra na JMJ de Cracóvia de 2016, o Papa Francisco convidava os jovens a meditar sobre o sentido do mal: “«Onde está Deus?» Onde está Deus, se no mundo existe o mal? (…) Onde está Deus, quando vemos a inquietação dos duvidosos e dos aflitos na alma? Há perguntas para as quais não existem respostas humanas. Podemos apenas olhar para Jesus, e perguntar-Lhe. E a sua resposta é esta: «Deus está neles», Jesus está neles, sofre neles, profundamente identificado com cada um. Está tão unido a eles, que quase formam «um só corpo». Foi o próprio Jesus que escolheu identificar-Se com estes nossos irmãos e irmãs provados pelo sofrimento e a angústia, aceitando percorrer o caminho doloroso para o calvário. Ao morrer na cruz, entrega-Se nas mãos do Pai e leva consigo e em Si mesmo, com amor de doação, as chagas físicas, morais e espirituais da Humanidade inteira”.
A dor, o sofrimento, a angústia das vítimas de abusos nunca terá cura fácil e automática, mas o único derramamento de sangue que lhes pode valer é o que Jesus fez por Amor no alto da Cruz.