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A celebração da liberdade

«Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou.» (Gl 5,1) Esta surpreendente afirmação de São Paulo é uma interpelação seríssima aos primeiros cristãos para se descobrirem livres no Mistério Pascal de Jesus, que ao morrer na cruz como um escravo revela que a verdadeira liberdade está em dar a vida por amor. Ele o tinha dito «Ninguém me tira a vida, sou eu que livremente a dou» (Jo 10, 18), para mostrar como tudo na sua vida era o exercício de poder querer a cada momento fazer a vontade do Pai e assim ser totalmente livre. 

O engano e a confusão, de muitos neste mundo, está em julgarem que o exercício da faculdade do livre-arbítrio é a condição básica da liberdade. Esta é muito mais que a possibilidade que cada um tem de se autodeterminar. A verdade é que a verdadeira liberdade está em ser capaz de realizar actos que comuniquem bondade, beleza e verdade. É esta que o anúncio do Evangelho nos permite conhecer em Jesus e em todos aqueles que se deixam transformar pela sua graça de vida.

A comemoração dos 50 anos da chamada Revolução dos Cravos pode ser uma oportunidade para refletirmos como estamos a viver os ganhos na liberdade operados a partir do 25 de Abril de 1974. O ter derrubado um regime de ditadura sem recorrer à violência foi algo de extraordinário, ainda que os meses seguintes fossem marcados por muita agitação social e até actos extremos nada condizentes com a conquista do primeiro momento. Não se trata dessa história que pretendo agora fazer, mas de como é fundamental não estar submetido de forma opressiva aos ditames de alguns sem direito de se expressar livremente.

Hoje quando olho para a nossa sociedade reconheço que existem ganhos de autonomia, de capacidade criativa, de abertura ao que é diferente, mas parece-me que falta muito caminho a percorrer, sobretudo, ao nível de favorecer uma liberdade que seja criadora de beleza, que seja verdadeira e, por isso, universal, que seja expressão de bondade para todos ainda que a disfrutem de maneiras diversas.

A ilusão de felicidade está em gastar-se na busca de autorrealização pessoal sem atender que a existência será sempre mais valiosa quanto tornar melhor a vida dos outros. A pessoa livre aprende a renunciar aos interesses próprios quando estes não são benéficos para os outros, está disposta a cansar-se e até a sacrificar-se na busca do bem comum, valoriza a opinião dos outros ainda que não seja coincidente com a sua e está disposta a dialogar no sentido de encontrar uma base comum de convivência.

Já o disse e repito, entristece-me e preocupa-me a situação deste mundo marcado por conflitos, desta “terceira guerra mundial aos pedaços” cada vez mais próxima de nós, de uma civilização ocidental que em muitos países associa o progresso a tudo o que sejam atentados contra a vida como o aborto, a eutanásia, a manipulação genética, e avassaladora implementação da chamada ideologia do género e seus derivados, que atacam as estruturas fundamentais da sociedade como a família. Não aceito que estas sejam conquistas da liberdade, tão apregoadas por alguns, porque elas ferem a dignidade do ser humano e roubam a alegria da vida.

Uma espingarda com um cravo vermelho na ponta é o símbolo da Revolução de Abril, que mostra de forma inequívoca como a liberdade conseguida sem pôr causa a vida do outro, mesmo que este seja o agressor, é um bem a valorizar e para servir de exemplo. Acredito que faz parte da nossa caminhada como pessoas enfrentarmos os desafios de cada tempo, aprendendo com o caminho percorrido e estarmos dispostos a comprometermo-nos por fazer o que estiver ao nosso alcance na edificação do bem comum. A liberdade está sempre em ser capaz de acreditar que o amor pode sempre mais. «Com uma esperança, para além do que se pode esperar» (Cf. Rm 4, 18) acreditar que é o amor que nos faz verdadeiramente livres e promotores da liberdade. Essa é que queremos celebrar para que fique sempre na nossa memória, e seja prática na nossa vida.

Pe. Ricardo Franco
Edição 1367 - 19 de Abril de 2024