Propósito e compromisso!
Um novo ano é sempre uma oportunidade. Os rituais de passagem de ano são muitos e variados, alguns até assumem características de superstição esotérica na busca da sorte. As pessoas mais ou menos de forma consciente dão por si a comer doze passas e fazer doze desejos; a brindar ao novo ano; a vestir roupa interior com cores; a estrear uma peça de roupa nova; a fazer barulho com loiça ou panelas; a passar o ano com dinheiro na mão ou nos bolsos; a subir a uma cadeira com o pé direito; a beijar a “cara metade”; etc, mas se pensarmos um pouco perceberemos que o bem do novo ano dificilmente dependerá destas práticas mais ou menos assumidas.
Acredito na importância de fazermos propósitos e de nos comprometermo-nos fazer o que estiver ao nosso alcance para melhorar a nossa condição e a dos outros. A nossa liberdade é um dom que necessita de ser exercitado e de aprendermos no tempo que nos é dado viver a não nos resignarmos ao pouco. Dentro de todos nós existe um desejo de plenitude, importa em cada dia lutar por atingi-la com o compromisso das capacidades que a cada um são concedidas.
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II afirma-o de forma magistral: «é só na liberdade que o homem se pode converter ao bem. (…) Muitas vezes, porém, fomentam-na dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. (…) Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente iniciativa os meios convenientes».
Os desafios são constantes e por vezes parecem superiores às nossas forças, mas é importante não desistir nem perder a capacidade de sonhar. Como cantou António Gedeão: «Eles não sabem nem sonham/ Que o sonho comanda a vida/ E que sempre que o homem sonha/ O mundo pula e avança/ Como bola colorida/ Entre as mãos de uma criança». A dureza da vida não pode tirar-nos esta crença do bem que não é uma utopia, mas a decisão de em cada dia fazer mais pela minha vida e a dos outros.
Não se trata de viver na ilusão, mas olhar os desafios deste mundo sem nos colocarmos à margem e com a vontade de contribuir efectivamente para a mudança. O Papa São Paulo VI quando instituiu o Dia Mundial de Oração pela Paz disse-o com firmeza: «a Paz não pode basear-se numa falsa retórica de palavras, bem aceites, em geral, porque correspondem às profundas e genuínas aspirações dos homens, mas que podem também servir, e infelizmente algumas vezes já serviram, para dissimular o vazio de um verdadeiro espírito e de reais intenções de Paz, quando não até, para encobrir sentimentos e acções de opressão, ou interesses partidários».
O nosso mundo tem muitos lobos vestidos com peles de cordeiro, nomeadamente, ao nível da disseminação das ideologias aniquiladoras dos valores fundamentais da sociedade como a ideologia do género e todas as suas derivações. Basta ver que em Portugal um governo demissionário, sem nenhuma consulta prévia nem auscultação das entidades responsáveis, promulga pouco tempo antes de cessar funções um diploma sobre “autodeterminação de género nas escolas” onde entre outras coisas prevê que as escolas garantam condições nas casas de banho para alunos que não se identifiquem com os géneros tradicionais. Trata-se de uma imposição feita às mesmas escolas onde faltam imensas condições básicas para a generalidade da comunidade escolar! Não podemos continuar a assistir impávidos a esta autêntica colonização ideológica, que não respeita valores nem aceita quem pensa de forma diferente.
O Papa Francisco escreveu na Mensagem para do Dia Mundial da Paz de 2024, a propósito do tema, extremamente actual, da Inteligência Artificial, algo que nos deve orientar em todas as nossas acções: «A liberdade e a convivência pacífica ficam ameaçadas, quando os seres humanos cedem à tentação do egoísmo, do interesse próprio, da ânsia de lucro e da sede de poder. Por isso temos o dever de alargar o olhar e orientar a pesquisa técnico-científica para a prossecução da paz e do bem comum, ao serviço do desenvolvimento integral do homem e da comunidade».
Os votos de bom ano sejam assim compromisso e propósito de usar a nossa inteligência e capacidade para a edificação do bem comum. Nesta busca quotidiana quem tem o dom da fé conta sempre com a Graça de Deus e não com a sorte, porque é sempre na relação com o Criador que a criatura aprende a ser mais no Amor que a trouxe à existência.